Nem só as paisagens são gélidas
Por trás da aparente simpatia e
educação dos cidadãos de Minnesota, há pessoas gélidas como a paisagem da
região. Ambiciosos e ligeiramente incompetentes, homens cometem assassinatos
cruéis, enquanto são investigados por uma amável e determinada policial
grávida. Sexto longa-metragem de Ethan e Joen
Coen, Fargo (idem), de 1996, não é somente uma síntese da filmografia de seus autores.
A película apresenta aspectos incomuns na
obra desses irmãos cineastas, sendo o mais relevante deles um certo
maniqueísmo. Apesar de não ter exatamente um protagonista, a policial
Marge (Frances McDorman) funciona, de certa forma, como a personificação do
bem e da esperança - juntamente com seu marido Norm (John
Carroll Lynch). Tal aspecto fica
ainda mais evidente pelo fato dela estar grávida. A forma carinhosa como a
investigadora e seu esposo se relacionam, além da dedicação e astúcia da
personagem, fazem com que a mesma se torne uma âncora para os espectadores.
Afinal, existe alguém para o público torcer, diferentemente da maioria dos
Coen, em que há uma carência de figuras que causem empatia. O filme tem poucos
personagens, os quais alternam de importância durante a trama.
Os fatos se
desenrolam porque Jerry (William H. Macy) decide sequestrar a própria esposa, Jean (Kristin
Rudrüd), visando montar um empreendimento próprio com o dinheiro do
resgate. De acordo com o plano, a quantia seria paga pelo sogro rico, Scotty (Tony
Denman), e o crime seria executado pelos
bandidos Carl e Gaer (Steve Buscemi e
Peter
Stormare). No entanto, o despreparo dos mesmos resulta em um triplo homicídio, que chama a atenção das
autoridades locais, em especial da policial Marge. Ao longo da história, um
sequestro que não deveria causar danos resulta em diversas mortes, algumas
bastante bizarras. Humilhado por todos,
desde o sogro até os clientes da revenda de carros, Jerry é mostrado
constantemente atrás das grades que circundam o lugar onde trabalha. Esses
planos evidenciam o sentimento de aprisionamento do personagem e explicam a
necessidade dele em conseguir dinheiro para ter um negócio próprio e, finalmente,
deixar de ser funcionário do próprio sogro. A ideia absurda de sequestro
somente evidenciada a mente transtornada do personagem, que só enxerga seus
objetivos, não se importando com os demais, nem mesmo com o filho.
É difícil imaginar
outros intérpretes para os personagens. Possivelmente, isso ocorra porque os
Coen escrevem os roteiros já pensando em que atores escolherão. É admirável,
portanto, como o sequestrador tagarela e dotado de uma fisionomia engraçada
(como testemunhas salientam diversas vezes durante o filme) combinou com a
figura de Steve Buscemi. Outro mérito de Fargo
é o sotaque e o Minnesota Nice, denominação referente à forma polida e educada
dos cidadãos dessa região. O jeito cantante de falar e o uso de expressões como
a europeia “yeah”, aliada aos sorrisos e à complacência dos personagens, trazem
à trama um ar regionalista pouco comum no cinema norte-americano. Ironicamente,
essa aparência pacata e confiável, na verdade, esconde personagens ambiciosos e
criminosos.
Logo no início de
Fargo, os Coen fazem uma piada com os espectadores: surge uma legenda, na qual
se afirma que o longa é baseado em fatos reais. No entanto, como fica expresso
nos créditos finais, a história foi totalmente produzida pela imaginação fértil
de seus realizadores. Tal situação colocou o cinema em seu devido lugar, no
mundo dos sonhos e da ficção, sem compromisso com a verossimilhança. Com seus personagens
patéticos e acontecimentos absurdas, Fargo é um, talvez o melhor filme de Joel
e Ethan Coen. O longa-metragem conta com lindíssimos planos gerais, que
demonstram o vazio e gélido ambiente de Minnessota, e uma trilha sonora pontual
e eficiente. O elenco está afinado, inclusive Peter Stormare, que interpreta um
sequestrador de pouquíssima palavras, mas muitas ações. Uma constante durante
toda a obra, o humor diferenciado dos realizadores conduz a narrativa de forma
sutil, mas clara e competente. O
longa-metragem é, enfim, uma narrativa incrivelmente bem construída, que nos
arranca risadas nos momentos mais absurdas, ao mesmo tempo, que proporciona
sentimentos que vão do desprezo ao afeto.
Desde Barton Fink (idem), de 1991, os
Coen não atingiam tanta recursão. Nesse caso, seu destaque foi maior no Oscar
daquele ano, o qual indicou Fargo em sete categorias, sendo vencedora em duas,
roteiro original e atriz (Frances
McDorman). Em Cannes, por sua vez, o longa-metragem foi agraciado com a Palma
de Ouro de melhor diretor para a dupla de cineastas. Curiosamente, foi
devido a esse sucesso de público e crítica que a mais eficiente farsa dos Coen
foi descoberta. Somente após a indicação de Roderick Jaynes ao Oscar de melhor
montador, por Fargo, descobriu-se que o mesmo era uma figura fictícia.
Surpreendentemente, os cineastas confessaram o fato e alegaram já terem
créditos demais em seus filmes, pois já são responsáveis pela direção, produção
e roteiro. De fato, o longa-metragem
é a cara de seus realizadores, desde os personagens patéticos até as situações
insólitas. As estranhas ambições e os acontecimentos frívolos típicos dos Coen
estão ainda mais inteligentes e envolventes. Os diretores sintetiza o humor
saliente de O Grande Lebowski (The Big Lebowski), de 1998, com o tom noir de O Homem que não Estava lá (The Man Who Wasn't There), de 2001, em uma mistura inusitada e muita bem realizada. O filme, portanto, tem
todos os méritos para se transformar num clássico moderno e um dos maiores
filmes dos anos 90.
Fargo
Título original: Fargo
Ano: 1996
Direção e roteiro: Ethan Coen e Joel Coen
Com: Frances McDorman, William H. Macy, Steve Buscemi, Peter Stormare e outros.
Duração: 98 minutos
Desde Barton Fink (idem), de 1991, os
Coen não atingiam tanta recursão. Nesse caso, seu destaque foi maior no Oscar
daquele ano, o qual indicou Fargo em sete categorias, sendo vencedora em duas,
roteiro original e atriz (Frances
McDorman). Em Cannes, por sua vez, o longa-metragem foi agraciado com a Palma
de Ouro de melhor diretor para a dupla de cineastas. Curiosamente, foi
devido a esse sucesso de público e crítica que a mais eficiente farsa dos Coen
foi descoberta. Somente após a indicação de Roderick Jaynes ao Oscar de melhor
montador, por Fargo, descobriu-se que o mesmo era uma figura fictícia.
Surpreendentemente, os cineastas confessaram o fato e alegaram já terem
créditos demais em seus filmes, pois já são responsáveis pela direção, produção
e roteiro. De fato, o longa-metragem
é a cara de seus realizadores, desde os personagens patéticos até as situações
insólitas. As estranhas ambições e os acontecimentos frívolos típicos dos Coen
estão ainda mais inteligentes e envolventes. Os diretores sintetiza o humor
saliente de O Grande Lebowski (The Big Lebowski), de 1998, com o tom noir de O Homem que não Estava lá (The Man Who Wasn't There), de 2001, em uma mistura inusitada e muita bem realizada. O filme, portanto, tem
todos os méritos para se transformar num clássico moderno e um dos maiores
filmes dos anos 90.
Fargo
Título original: FargoAno: 1996
Direção e roteiro: Ethan Coen e Joel Coen
Com: Frances McDorman, William H. Macy, Steve Buscemi, Peter Stormare e outros.
Duração: 98 minutos
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